28 de novembro de 2009

Café-da-manhã

Hoje amanheci com desejo:
pão de queijo, bolo e beijo.

Recife, 28 de Novembro de 2009.

[i.a]

27 de novembro de 2009

Ermo

Minhas horas vagas tem rancor e se ocupam de teus pensamentos vãos;
Tem o sabor amargo da tua traição.
Minhas horas vagas são tédio sem remédio,
Patologia da contradição.
Tecido morto,
Cancro,
Gangrena,
Doença crônica do coração.

Recife, 27 de Novembro de 2009.

[i.a]

22 de novembro de 2009

Era presente

Estamos na era das distorções de valores, onde o coração é o músculo raro e o bíceps, caro.
A era da vanidade.
Estamos na era dos gostos não eternizados, do novo hit da semana, das canções cafonas.
Dos cheiros esquecidos e sequer rememorados;
Lembro-me de comer algodão-doce e refestelar-me em uma panela de brigadeiro na infância tão bem vivida.
Dos gostos ainda presentes no apocalipse da memória.
São gostos presentes e pendentes, nesta era de esquecimentos.
Lembro-me o gosto de meu primeiro beijo, da sensação constrangida e ridícula da língua que não sabia para onde ir;
Conheço pessoas que sequer se lembram de sua primeira transa.
Estamos na era dos beijos insossos e desapaixonados;
Do sexo eminente e impecável - para que possa acontecer denovo.
A era dos corpos simetricamente feitos um para os outros - pré-montados;
A era da falta de busca, espera e ajuste ao encaixe perfeito;
A era dos reciclados e recicláveis.
Lembro-me das canções - antes cafonas - que papai ouvia e que hoje estão na playlist de meu moderno iPod;
Estamos na era da Calvin Klein, da Lacoste, Dolce Gabbana, Dior, Mandi, Prada, Daslu, Apple, Puma, Tiffany, Ray Ban, Fendi, e tantas outras "coqueluches" que sequer sei pronunciar o nome.
Estamos na era em que "você é o que você veste", "você é o que você come" e você não é mais o que você é.
Estamos na era da desvirtualização da pobreza. Na era da pobreza de espírito, de compaixão, da pobreza de coração.
Era dos padrões.
Estamos na era do desmembramento de famílias;
Do encurtamento de palavras;
Da não-poesia e da não-filosofia.
Estamos na era das casas pré-fabricadas, dos que não sabem mais juntar tijolos;
Onde desaprendeu-se a construir e por tal motivo torna-se tão fácil derribar.
Estamos na era das uvas sem caroços, das águas com essência, na era onde para alguns espremer uma laranja é muito trabalhoso, quanto mais edificar uma relação.
Estamos na era da contradição:
Na era onde um por noite é pouco e um por mês é demais.
Onde ama-se facilmente e desprende-se da mesma maneira.
Da solidão por opção e talvez a era onde as pessoas tenham maior medo de ficarem sós.
A era da substituição imediata;
Dos relacionamentos efêmeros;
Dos corpos sem compromisso;
Do sexo desmedido;
Da não-troca de olhares;
Do não-diálogo.
Estamos na era do anti-romantismo, da falta de conquista e da presença abundante do imediatismo.
Na era da impaciência e da objetividade sem objetivo.
Uma era onde os sonhos são materiais e ao mesmo tempo esquece-se de sonhar.
Estamos na era do eufemismo:
Onde droga-se em demasia em busca de uma noite perfeita e ironicamente no dia seguinte de nada se lembra.
Onde bebe-se em demasia em busca de uma noite perfeita e ironicamente no dia seguite tudo que se quer é esquecer.
Estamos na era dos enlatados, onde foi-se o tempo em que colocava-se em conserva apenas o saudoso brigadeiro de panela;
Uma era onde congelam-se vidas e corações sem piedade - pela falta de sinceridade;
Uma era onde não acreditar no amor tornou-se aceitável;
Onde brincar de amar tornou-se engraçado;
Onde o amor virou piada.
Uma era em que relacionamentos abertos viraram uma alternativa de vida.
Uma era sem escolhas:
Onde as pessoas cederam seus valores e suas lembranças de algodões-doces para não serem deixadas para trás.
Era ontem, era hoje, era presente - infelizmente.

Recife, 22 de Novembro de 2009.

[i.a]

17 de novembro de 2009

Maybe

Maybe it's bright and the sun ain't shining
Maybe I have the weapons but my war ain't fighting
Maybe I'm hungerless and just don't feel like biting

Maybe I don't even like trying
Maybe I just can't stand you lying
Maybe despite all that, my heart still ain't crying

Maybe there ain't no reason to take a chance
Maybe there ain't no chance of change
Maybe I'm too tired to take that step on advance
Maybe our song don't even deserve a dance

Maybe you weren't the gift I bought
Maybe you weren't the deliver they brought
Maybe you just weren't what I thought
Maybe not

Recife, 17 de Novembro de 2009.

[i.a]

16 de novembro de 2009

Cachecol de lã

Ventava que só a solidão lá fora.
O vento assobiava como quem lamentava a dor.
Há tempos eu não usava seu velho cachecol de lã, que ainda guardava o cheiro bom das primaveras ricas e fartas dentro daquela caixa em que você e nossa história se comprimiam.
Guardadas lembranças desde que você se foi.
Ainda havia o cheiro bom do maracujá como que acaba de ser aberto;
Da laranja-cravo, incensando o nosso terraço em tardes de domingo.
Ventava que só a solidão lá fora.
E a rede rangia, oca;
Substancialmente vazia e perdida em lembranças de épocas em que sentia-se útil, em que abrigava ali, em sua polpa, o mais honesto dos sentimentos.
A rede rangia como quem chora;
Como se houvesse, naquele movimento de aconchego, de balanço, uma desassociação ao propósito fundamental de sua essência;
Como quem chora pelas lembranças de nossas noites de vinhos e cigarros, perdidos e achados a nos embalar nela, a rede - por ora infrutuosa - que perdera o paladar, assim como as laranjas e os maracujás.
Seus cachorros ainda correm pela casa, por vezes desnorteados, como quando lhe viam chegar do trabalho.
Como se sentissem o cheiro impregnado, nos cantinhos e paredes e abanam o rabo, como costumeiramente faziam aos domingos, quando você cozinhava no quintal.
Ventava que só a solidão lá fora.
E eu, de não aguentar mais escutar aquelas velhas músicas que dançávamos em dias de ventania, com as portas e janelas cerradas e só a luz do terraço, pela fresta, a nos testemunhar;
Coloquei seu velho cachecol de lã e saí mais uma vez na gorda esperança de te reencontrar.

Recife, 16 de Novembro de 2009.

[i.a]

11 de novembro de 2009

Amizade é isto

Eu amo os meus amigos pelo que eles são e não pelo que eu quero que eles sejam.

Para Cláudio Fazio.

Recife, 11 de Novembro de 2009.

[i.a]

Reflexões acerca do terminante

Que quando ele resolve terminar o relacionamento, ele não irá cair em si e voltar atrás;
Que você não receberá flores, poemas ou declarações de amor como pedidos de reconciliação;
Que ele não irá lembrar de você de madrugada, quando estiver em uma noitada com os amigos;
Que chantagem emocional não irá fazê-lo mudar de idéia com sinceridade;
Que para ele suas loucuras de amor perdem a sentimentalidade e tornam-se apenas loucuras;
Que qualquer demonstração de amor irá apenas afastá-lo mais;
Que ele irá usar todos os seus menores defeitos como argumentos para justificar o fim;
Que você será sempre a vilã diante dos amigos dele;
Que um belo dia ele não vai dar um estalo, se arrepender e realizar que ter te deixado foi a maior besteira que fez na vida;
Que ele poderá até pensar em você, mas que não será naquele exato momento em que você irá querer que ele esteja pensando;
Que você não será a eterna nora ou cunhada e que será facilmente substituida;
Que ele não irá lhe comparar a todas as pessoas que ele se relacionar após você;
Que ele não irá materializar você enquanto estiver com outra na cama;
Que quanto maior for o tempo de rompimento, menor será a consideração dele perante seus supostos sentimentos;
Que ele nunca dirá a verdade sobre o que sente;
Que os sentimentos dele serão sempre inferiores aos que ele terá coragem de expor;
Que ele irá sim, voltar a se apaixonar por alguém;
E, por fim,
Que ele irá encontrar outra igual ou melhor que você.

Recife, 11 de Novembro de 2009.

[i.a]

10 de novembro de 2009

Pesadelo

Era tarde nas entranhas dos lençóis
E você veio me visitar.
Chegou assim, sorrateiro,
Sem ser convidado,
Sem nem avisar.

Gritei, num susto ligeiro:
Se vem, sê por inteiro, vem pra ficar.
Não chega assim passageiro,
Roubando meu sono,
Tirando meu ar.

Se vem, vem "à formiga",
Vem ser operário,
Fazer o meu lar.

Se vem, vem derradeiro,
Pra ser o meu homem,
Pra ser o meu par.

Recife, 27 de Abril de 2009.

[i.a]

6 de novembro de 2009

Desterro

Saudade mora;
Saudade ora;
Saudade chora;
Saudade implora:
Saudade, vai embora!

Recife, 06 de Novembro de 2009.

[i.a]

Difícil será não lembrar

Nas esquinas de curvas sinuosas,
No canal da Agamenon,
Na Rui Barbosa,
Na pracinha de Boa Viagem
Com um dedinho de prosa:
Tu vais me encontrar;

Nas largas calçadas da Rua da Hora,
No pôr-do-sol da Aurora,
No Galo cedo da matina,
No frevo da menina,
Nas palafitas do Pina:
Tu vais me encontrar;

Na Casa da Cultura,
No Ibura,
Em Candeias,
Piedade,
Boa Viagem,
Onde você tiver só de passagem:
Tu vais me encontrar;

Nas árvores da Jaqueira,
Nos asfaltos da Imbiribeira,
No Recife Antigo,
No Bairro Novo, Olinda das ladeiras:
Tu vais me encontrar;

Na Bom Jesus a caminhar,
No mar de Itamaracá,
No pátio de São Pedro,
Na Lagoa do Araçá:
Tu vais me encontrar;

Em cada esquina
O gosto,
O cheiro,
Os gestos;
Na minha cidade que eu te empresto
Para de mim você lembrar.

Recife, 06 de Novembro de 2009.

[i.a]

5 de novembro de 2009

Estalo

Agora tudo faz sentido ao acordar ao teu lado.
Os pássaros;
As nuvens;
A fresta de sol que entra pela janela.
Tudo agora clama para que foi criado.

Recife, 05 de Novembro de 2009.

[i.a]

Receita de b(t)olo

Quando tava insosso, eu pus o sal;
Peguei o velho livro da vovó.
Pensava o coração que meio mal,
Melhoraria numa pitada só.
Dizia pra colocar num pedestal;
E era tudo o que eu queria
Pruma cerimônia magistral.
Pra fazer crescer, joguei fermento;
Deixei a massa descansar;
Tirei do forno, pus ao vento;
Levando brisa pra esfriar.
Fiquei com dó do acabamento,
Então tratei de enlaçar;
E pra finalizar usei o rolo,
Que tolo!
Achei que fazer amor
Era seguir receita de bolo!

Recife, 05 de Novembro de 2009.

[i.a]

Companhia

Depois de anos dividindo o mesmo sono,
Tudo que me restou foi uma caixinha de músicas
E a nossa velha canção de ninar.

Recife, 04 de Novembro de 2009.

[i.a]