22 de novembro de 2009

Era presente

Estamos na era das distorções de valores, onde o coração é o músculo raro e o bíceps, caro.
A era da vanidade.
Estamos na era dos gostos não eternizados, do novo hit da semana, das canções cafonas.
Dos cheiros esquecidos e sequer rememorados;
Lembro-me de comer algodão-doce e refestelar-me em uma panela de brigadeiro na infância tão bem vivida.
Dos gostos ainda presentes no apocalipse da memória.
São gostos presentes e pendentes, nesta era de esquecimentos.
Lembro-me o gosto de meu primeiro beijo, da sensação constrangida e ridícula da língua que não sabia para onde ir;
Conheço pessoas que sequer se lembram de sua primeira transa.
Estamos na era dos beijos insossos e desapaixonados;
Do sexo eminente e impecável - para que possa acontecer denovo.
A era dos corpos simetricamente feitos um para os outros - pré-montados;
A era da falta de busca, espera e ajuste ao encaixe perfeito;
A era dos reciclados e recicláveis.
Lembro-me das canções - antes cafonas - que papai ouvia e que hoje estão na playlist de meu moderno iPod;
Estamos na era da Calvin Klein, da Lacoste, Dolce Gabbana, Dior, Mandi, Prada, Daslu, Apple, Puma, Tiffany, Ray Ban, Fendi, e tantas outras "coqueluches" que sequer sei pronunciar o nome.
Estamos na era em que "você é o que você veste", "você é o que você come" e você não é mais o que você é.
Estamos na era da desvirtualização da pobreza. Na era da pobreza de espírito, de compaixão, da pobreza de coração.
Era dos padrões.
Estamos na era do desmembramento de famílias;
Do encurtamento de palavras;
Da não-poesia e da não-filosofia.
Estamos na era das casas pré-fabricadas, dos que não sabem mais juntar tijolos;
Onde desaprendeu-se a construir e por tal motivo torna-se tão fácil derribar.
Estamos na era das uvas sem caroços, das águas com essência, na era onde para alguns espremer uma laranja é muito trabalhoso, quanto mais edificar uma relação.
Estamos na era da contradição:
Na era onde um por noite é pouco e um por mês é demais.
Onde ama-se facilmente e desprende-se da mesma maneira.
Da solidão por opção e talvez a era onde as pessoas tenham maior medo de ficarem sós.
A era da substituição imediata;
Dos relacionamentos efêmeros;
Dos corpos sem compromisso;
Do sexo desmedido;
Da não-troca de olhares;
Do não-diálogo.
Estamos na era do anti-romantismo, da falta de conquista e da presença abundante do imediatismo.
Na era da impaciência e da objetividade sem objetivo.
Uma era onde os sonhos são materiais e ao mesmo tempo esquece-se de sonhar.
Estamos na era do eufemismo:
Onde droga-se em demasia em busca de uma noite perfeita e ironicamente no dia seguinte de nada se lembra.
Onde bebe-se em demasia em busca de uma noite perfeita e ironicamente no dia seguite tudo que se quer é esquecer.
Estamos na era dos enlatados, onde foi-se o tempo em que colocava-se em conserva apenas o saudoso brigadeiro de panela;
Uma era onde congelam-se vidas e corações sem piedade - pela falta de sinceridade;
Uma era onde não acreditar no amor tornou-se aceitável;
Onde brincar de amar tornou-se engraçado;
Onde o amor virou piada.
Uma era em que relacionamentos abertos viraram uma alternativa de vida.
Uma era sem escolhas:
Onde as pessoas cederam seus valores e suas lembranças de algodões-doces para não serem deixadas para trás.
Era ontem, era hoje, era presente - infelizmente.

Recife, 22 de Novembro de 2009.

[i.a]

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