16 de novembro de 2009

Cachecol de lã

Ventava que só a solidão lá fora.
O vento assobiava como quem lamentava a dor.
Há tempos eu não usava seu velho cachecol de lã, que ainda guardava o cheiro bom das primaveras ricas e fartas dentro daquela caixa em que você e nossa história se comprimiam.
Guardadas lembranças desde que você se foi.
Ainda havia o cheiro bom do maracujá como que acaba de ser aberto;
Da laranja-cravo, incensando o nosso terraço em tardes de domingo.
Ventava que só a solidão lá fora.
E a rede rangia, oca;
Substancialmente vazia e perdida em lembranças de épocas em que sentia-se útil, em que abrigava ali, em sua polpa, o mais honesto dos sentimentos.
A rede rangia como quem chora;
Como se houvesse, naquele movimento de aconchego, de balanço, uma desassociação ao propósito fundamental de sua essência;
Como quem chora pelas lembranças de nossas noites de vinhos e cigarros, perdidos e achados a nos embalar nela, a rede - por ora infrutuosa - que perdera o paladar, assim como as laranjas e os maracujás.
Seus cachorros ainda correm pela casa, por vezes desnorteados, como quando lhe viam chegar do trabalho.
Como se sentissem o cheiro impregnado, nos cantinhos e paredes e abanam o rabo, como costumeiramente faziam aos domingos, quando você cozinhava no quintal.
Ventava que só a solidão lá fora.
E eu, de não aguentar mais escutar aquelas velhas músicas que dançávamos em dias de ventania, com as portas e janelas cerradas e só a luz do terraço, pela fresta, a nos testemunhar;
Coloquei seu velho cachecol de lã e saí mais uma vez na gorda esperança de te reencontrar.

Recife, 16 de Novembro de 2009.

[i.a]

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